Ouvindo: < atrás/além > (O Terno)

29 de abril de 2019 em Música

Eu até já conhecia O Terno lá pelos idos de quando o álbum mais recente deles era o 66, mais ou menos em 2013 — mas foi o show deles de 2014 em Vitória que me fez realmente prestar atenção aos trabalhos da banda, pouco depois de lançado o ótimo álbum homônimo no mesmo ano. A admiração só aumentou com o impecável Melhor do que Parece, de 2016, que ganhou meu amor incondicional com a chegada daqueles arranjos maravilhosos. Óbvio que a expectativa não poderia ser nada menor que enorme para o lançamento de <atrás/além>, de 2019. Infelizmente eu sou chato a ponto de reproduzir a grafia original.

Olha só que capa mais linda toda minimalista!!

 

Existe um fato que é difícil de ignorar ao falar sobre o disco: O álbum “Recomeçar”, trabalho solo de Tim Bernardes que saiu entre o Melhor do que Parece e o <atrás/além>. A melancolia inerente ao primeiro parece ter sido tão intensa que acabou transbordando e caiu no novo trabalho da banda. Isso está longe de ser uma reclamação (até porque gostamos de um sofrimento por aqui), mas o resultado é um álbum que tem momentos de introspecção e de uma auto-análise em forma de música. Como se o eu lírico estivesse cantando na frente de um espelho. Talvez sentado no chão.

A primeira faixa, Tudo Que Eu Não Fiz, remete em vários fatores ao disco anterior. Logo no começo, os arranjos em strings já estão de volta. Ela me parece uma continuação de Melhor do que Parece, canção que vem imediatamente antes dela se você ouvir os álbuns em ordem cronológica. A letargia que sufoca a canção anterior dá lugar a um sentimento de “Beleza, eu sei mais ou menos o que quero fazer, mas como é que eu faço isso?”.

A resposta começa a ser moldada na música seguinte, Pegando Leve, um dos singles do disco e talvez a mais chiclete do álbum. Por aqui, o objetivo segue um pouco turvo, mas o modus operandi vai ficando claro: Fica clara a recomendação de seguir as coisas com calma, como um grito de um jovem que quer levar uma vida tranquila, conciliando isso com o cansaço cotidiano sem cair no limbo do ritmo frenético de um jovem anos 10. Um lindíssimo solo de strings é a cereja do bolo. Pontos extra também pelas referências aos títulos de canções dos álbuns anteriores na segunda ponte (da música, não a que liga Vitória a Vila Velha e Cariacica). Aliás, essa tem um clipe bem lindo.

O mantra continua na terceira faixa, Eu Vou, que mostra um autor interessado em fixar na mente através da repetição a necessidade de se afastar do que te joga pra baixo — e vejo aqui um recadinho ao jovem que acha super descolado fazer comentários autodepreciativos e romantiza a tristeza. Se essa música fosse um personagem, seria o Mr. Peanutbutter de BoJack Horseman.

Atrás/Além, faixa que dá nome ao álbum (grandes frases que não acrescentam nada ao texto), tem uma vibe meio Tim Maia que eu não sei explicar — e reconheço aqui minha limitação em analisar música. Talvez sejam os acordes de strings bem cheios e abertos. Liricamente falando, começamos a perceber um desvio perigoso: Por aqui, voltamos pela primeira vez no disco a falar de amores passados, com uma esperança tão grande que parece não caber. E talvez não caiba, dada a quantidade de repetições (Você lembra? Você lembra também? (…) Você tenta? Você tenta também?).

Diante da ausência de resposta — e da ausência de tantas outras respostas, Nada / Tudo vem para trazer uma espécie de conformismo saudável e a volta do sentimento Mr. Peanutbutter em que em um segundo olhar tudo está bem. A canção flutua entre momentos cheios (a maioria deles) e momentos em que a voz melancólica do Tim é quase a única coisa que há para ouvir. Talvez por isso a faixa tenha esse nome.

Pra Sempre Será é, novamente, um abraço otimista em quem viveu um bom relacionamento que acabou por qualquer motivo. É sobre estar feliz por aquilo ter acontecido e tudo bem que tenha acabado. Uma canção sobre finais que não é uma canção triste.

Chegando ao Lado B do álbum, temos Volta e Meia, último single lançado antes da chegada do álbum completo e provavelmente a minha favorita do disco. Ouvindo na sequência, fica a impressão de que se Pra Sempre Será lida bem com um final, esta já dá a entender que embora o autor diga que acabou e tudo bem, na verdade não é lá bem assim. E aí, do nada, a voz grave em japonês de Shintaro Sakamoto dizendo umas coisas que não tenho a menor ideia do que significam, seguidas ainda em outro idioma — dessa vez bastante compreensível — por ninguém menos que Devendra Banhart. Voltamos ao refrão intercalando os versos de Tim com alguma coisa em japonês que eu não sei o que é mas fica lindíssimo assim mesmo, encerrando a primeira faixa d’O Terno com uma participação.

Bielzinho/Bielzinho é um sambinha feito para homenagear o (maravilhoso) Biel Basile, baterista e galã da banda. Está tudo ali: A batucada, a repetição (inclusive evidente no título da música) e até um coro. Por razões que não sei explicar, nessa música você parece estar sentado numa mesa redonda com a banda numa grande brincadeira descompromissada pra enaltecer um amigo.

Em O Bilhete as coisas começam a ficar tristes demais e eu parei de ouvir.

Mentira. Digo — a parte que eu parei de ouvir. A parte que fica triste demais é verdade. Embora essa faixa me lembre um tanto Desaparecido, do segundo álbum, as similaridades cessam na progressão de acordes parecida e na música que constrói uma história. Fica um sentimento parecido (talvez seja o mesmo) com o de Pra Sempre Será. Em um fragmento de segundo de um ato corriqueiro, um tanto de significado e a volta de uma enxurrada de pensamentos que só precisavam de uma pequena lembrança para voltarem à tona — não exatamente em forma de sofrimento, mas de boas recordações. Não ouça se estiver sofrendo por um término.

Chegando a Profundo/Superficial, temos uma recaída à letargia de Melhor do que Parece, mas agora com um alvo mais direcionado — talvez o alicerce do que me faz comparar <atrás/além> com Tranquiliy Base Hotel + Casino (caraca, eu respeito muito a grafia dos álbuns fala aí): Uma crítica à avalanche de informação, à superficialidade e ao optar por não abrir mão de nada, tentando abraçar o mundo e falhando ao encontrar profundidade em qualquer coisa — um tema deveras constante também no último do Arctic Monkeys. Presença forte de pianos aqui e uma sonoridade bastante parecida com o álbum solo do Tim.

Em Passado/Futuro, eu começo a achar que essa alternância constante entre determinação e letargia está ali de propósito (mas é claro que está). Voltamos a repetir um mantra (Nunca mais o meu passado / Para sempre o meu futuro) nesta que talvez seja a canção mais política da banda até então, abordando a divisão evidente por essas bandas e tentando fazer as vezes de uma injeção de coragem sem que haja um tom de agressividade. A levada da canção é animada e muda sua característica no final, quando fica mais agitada e repete os versos “Derrubar o muro / bagunçar com tudo / Nostalgia da novidade /saudades do futuro“.

Fechando a obra, E no Final traz de volta a melancolia e, pela primeira vez no álbum, abandona a esperança para trazer uma tonelada de questionamentos e incertezas. Volta o piano tomando a frente da música junto à voz de Tim, às vezes quase dispensando por completo qualquer instrumento. Depois de tanta pergunta, um interlúdio barulhento e cheio parece matutar toda essa informação até chegar à visceral conclusão. Deixo que o álbum se encerre por mim:

Quem esperou por mim agora não espera mais
E aquela moça que marcou já nem se lembra mais
Velhos amigos, tempos bons que já não cabem mais
Poder mudar e assumir para deixar pra trás

E vida que segue.

(Nota: Quando comecei a escrever isso aqui minha idéia não era fazer um Faixa a Faixa, mas somente um comentário sobre o álbum que tem tocado meus dias ultimamente. Ocorre que fui ouvindo o álbum do começo quando comecei a escrever e as coisas acabaram saindo. Vai entender.)

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