Edith Finch e a história que melhor me contaram nos últimos tempos

24 de junho de 2019 em Joguinhos

Depois do almoço em algum domingo aleatório resolvi varrer a lista de joguinhos disponíveis gratuitamente na PS Plus do PS4 e acabei encontrando What Remains of Edith Finch, que adicionei a minha conta alguns meses antes mas acabei nem jogando por sequer saber do que se tratava o título. Resolvi baixar e abrir o joguinho e só consegui largar quando o terminei, no fim da tarde. No fim da experiência, fiquei maravilhado não somente com a fantástica história, mas também com a forma genial de que ela me foi contada. Não sei se What Remains of Edith Finch é a melhor história que me contaram, mas é facilmente a história que melhor me contaram recentemente.

Início do jogo What Remains of Edith Finch

O lado bom de começar um jogo (ou um livro, ou um filme, ou qualquer outra coisa) sem ter a menor ideia do que se trata é não saber sequer o que esperar. Certamente é de propósito que esse sentimento perdura por bastante tempo — tratando-se de um jogo em que o enredo é o que se propõe a ser entregue de fato e os mecanismos de jogabilidade ali são meros coadjuvantes (do que só me dei conta após alguns minutos de jogo), faz sentido que você não haja nenhum tipo de introdução ou informação prévia que você precise consumir: A descoberta da temática é parte da experiência em si.

Claro, não vou supor que você vá jogar o jogo inteiro e depois voltar aqui para saber o que eu tenho a dizer, então aqui vai um breve resumo: What Remains of Edith Finch é um jogo que narra uma história vivida por Edith Finch, que, após a morte de sua mãe, retorna à casa pouquíssimo ortodoxa onde passou sua infância para que lhe fossem revelados alguns segredos sobre sua família que ela até então desconhecia. Ao revisitar depois de tantos anos a casa enorme e vazia, Edith vem a descobrir histórias que lhe foram escondidas durante toda a vida, todas orbitando uma aparente maldição que é a razão de ela ser a única de sua família a permanecer viva.

What Remains from Edith Finch

Essas descobertas são organizadas de forma lógica baseadas em duas coisas: O (raso) plano de fundo de Edith por sua vivência na casa em conjunto com toda a verdade que vem à tona durante o retorno ao berço da família Finch. Este retorno é o que é experienciado durante o curto decorrer do jogo (realmente curto — eu sou meio devagar jogando qualquer coisa e terminei em umas três horas) e os eventos acabam se escalando de uma maneira que em vários momentos me levou a respiração. De forma sucinta, o que Edith faz é acessar partes da casa cujo acesso lhe era proibido e ler diários, relatos, poemas e até revistas que lhe façam entender o que aconteceu a seus antepassados e demais familiares que levou à morte deles, quase sempre prematura. A morte, por sinal, é um tema recorrente na obra — eu realmente recomendo que pessoas mais sensíveis ao tema evitem o título.

What Remains of Edith Finch

Se a história por si só já é interessantíssima — não vou dar mais detalhes pois este estabelecimento é contra spoilers — foi nas mecânicas que o jogo me ganhou completamente. Em especial, nas apresentações de texto (não estou falando de powerpoint, você me entendeu) e na ambientação dos cenários. Não é nenhuma novidade este gênero em que o objetivo principal do jogo é contar uma história e o jogador só precisa se movimentar e fazer ações simples como abrir portas ou acionar botões, mas de modo geral costuma haver um certo grau de desconexão entre a narração da história com o que está na tela — na maior parte dos títulos, você tem o personagem falando ou pensando e uma legenda normal com o texto, como se num filme. Não é o caso por aqui: Os textos surgem no cenário, de modo a orientar o jogador de seu caminho e utilizando o movimento do jogador como feedback para que a legenda suma e a narrativa prossiga. A sensação é de naturalidade — a narração da história e o percurso do jogador se integram com beleza e sinergia.

O outro elemento que me fez clicar o interesse pelo jogo logo de cara foi a impecável ambientação do jogo. Desde a primeira vista da megalomaníaca casa dos Finch a ideia que o jogo tenta passar é recebida com facilidade — Uma casa enorme ocupada por família extensa, feita para receber os descendentes da família — e recebendo adaptações sem muito critério para abrigar as gerações futuras quando surge a eventual necessidade.

A excentricidade da família fica evidente desde o primeiro momento: O exagero de itens no cenário, os cômodos “lacrados”, a quantidade de livros em quase todos os cômodos, os quartos de crianças detalhadamente construídos de acordo com as histórias e personalidades de cada uma delas, a floresta em volta do terreno, dentre incontáveis outros exemplos. A sensação ao conhecer o cenário do jogo é de que tudo foi feito com muito cuidado, pensando em cada detalhe — o que causa uma segunda sensação, esta de aflição, que é o que você compartilha com Edith enquanto vive as histórias de seus familiares com a expectativa de que algo ruim inevitavelmente aconteça.

What Remains from Edith Finch

Diferentemente de tantos outros títulos, What Remains of Edith Finch é um jogo quase sempre triste. A atmosfera é sombria e mórbida o jogo inteiro e algumas das histórias são devastadoras em particular (A de Lewis, em especial, eu diria). Ainda assim (ou “por conta disso”?), o jogo conta uma história de forma ímpar, reforçando o (já atestado) enorme poder de um jogo eletrônico enquanto ferramenta narrativa. O estúdio responsável faz uso de mecanismos de controle simples aliados a um visual estarrecedor — mas todos esses elementos servem somente de suporte para que seja contada uma história fantástica e intrigante.

A parte técnica enjoada: O jogo está disponível para PC, PS4 e Xbox One. Pontos bônus pela excelente tradução para o português brasileiro (somente legendas — o que é ainda melhor). Caso você jogue no PS4 e tenha uma assinatura da PS Plus, ele esteve gratuito durante o mês de Maio de 2019. Se você quiser comprar o jogo, eu recomendo que aguarde uma promoção — por mais que eu recomende o jogo e o considere uma verdadeira obra de arte, considero o preço cheio (R$37 no Steam e R$61 na PS Store enquanto escrevo este texto) elevado para um jogo que pode ser terminado em três horas. Se bem que já estou pensando em jogar de novo.

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