Minha existência se coloca cronologicamente num período que coincide com a explosão da computação pessoal. Sendo parte de uma das primeiras gerações que teve contato constante (e, no meu caso, talvez exagerado) com computadores desde a infância, percebo que muito da minha capacidade e modo de raciocínio se aproxima um tanto do comportamento binário que adotamos ao lidar com essas máquinas.
Fora da minha questão ponderar se o puro suco da geração millenial trata-se de algo bom ou ruim (é péssimo, mas continua fora de questão), mas me veio a percepção de que a forma que enxergo muitas das coisas que me cercam como inflexíveis: Como zeros e uns, não há meio-termo, não há negociação e não há algo que reverta o resultado de uma ação a não ser o recomeço do que a gerou. Essa presunção é o que faz com que, por exemplo, eu nunca tenha pedido a um professor pra arredondar uma nota ou estender um prazo para a entrega de alguma tarefa. As coisas são da forma que são e meu poder sobre elas é necessariamente muito limitado.
Lembro de uma vez, mais ou menos aos meus 15 anos, que fui com meu pai comprar uma televisão numa loja perto de onde morávamos. Ele perguntou o preço, o vendedor respondeu. Na minha cabeça, ali acabava o processo de “saber quando a TV custava”: Eu aceitaria o preço e, se quisesse pagar menos por ela, perguntaria o preço em outra loja. Pois. Meu pai conversou com o vendedor, negociou e a TV ficou mais barata. Foi a primeira vez que tive nitidamente a epifania que nem tudo é preto e branco como era tão óbvio pra mim até então. Não me entenda mal: Eu não era um tipo de robô ou alguém que só conversava com o próprio computador, mas eu tinha dificuldade em acessar a área cinzenta que me faria deixar de simplesmente aceitar as coisas como eram.
Talvez eu ainda tenha.
A quarentena que foi estabelecida para achatar a curva epidemiológica do COVID-19 fez com que esses devaneios sobre o que há entre o preto e o branco voltassem a me rodear. Levo a quarentena a sério e tenho sido absolutamente inflexível neste sentido, mas ocasionalmente me vem o pensamento de que já saímos do zero e chegamos no um: O desastre já aconteceu. As coisas já deram errado. Não há o que ser feito.
O que, obviamente, não é verdade. Viver uma quarentena e ter a certeza de que ela gera um efeito positivo é também ter a capacidade de enxergar o mundo em escala de cinza. De certo modo, as coisas saíram de um ponto e chegaram em outro, mas a escala não é binária e, na verdade, nem é uma escala. Ações individuais mudam completamente o desenlace da situação e, do mesmo jeito que meu pai não se contentou com o preço da TV e chegou a um preço diferente, a minha atitude individual de permanecer dentro de casa é uma forma de não me contentar com a resignação envolvida em assumir que este processo já finalizou sua execução, tal qual um script escrito por algum programador.
Enquanto houver pessoas na equação, não existe 0 e não existe 1 — habitamos constantemente no que há entre eles.