Eu ouvi muita música ao longo desse ano. Segundo o meu histórico do Last.fm, foram praticamente 45 mil scrobbles, perdendo somente para 2017 e 2010. Ainda assim, uma marca respeitável. Ter ouvido bastante música é das coisas que me deixam satisfeito com esse ano. Enquanto trabalhava, me locomovia ou arrumava a casa, conheci muita coisa boa e revisitei um tanto do que já gostava e continuo gostando.
Pra que não possam dizer por aí que esse recinto internético se encontra completamente abandonado, resolvi falar às vésperas da virada de ano um pouco sobre o que eu gostei e o que eu gostaria de ter achado bom mas não rolou. Se esses belíssimos álbuns (e alguns nem tanto) embalaram meu ano, talvez possam embalar também algumas horas de boa música depois que você terminar de ler essa lista que provavelmente desconhece um monte de coisa boa e alimenta um post com um monte de indie safado que é a única coisa que chega a este que vos escreve.
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Rubel – Casas
O segundo álbum do Rubel (primeiro, se você considerar que o Pearl foi só um EP) foi uma ótima surpresa. Se eu já gostava da melancolia minimalista do anterior, Casas fez um ótimo trabalho em me transportar para uma situação específica que ora me levava ao cenário descrito pelo cantautor (eu gosto muito dessa palavra porque ela é horrível), ora me remetia a situações pessoais em que o Rubel parecia ser um amigo de escola. Tal imersão só pôde ser alcançada com ajuda do instrumental impecável que já conhecíamos, mas agora ainda mais esperto. Foram adicionados alguns elementos eletrônicos, samples de pessoas falando (de estudantes de ensino médio a Tim Maia) e participações acertadíssimas como a de Emicida em Mantra (e outras pra que torci o nariz, como a lacradora de Rincon Sapiência em Chiste).
Em Sapato, minha favorita do álbum, o autor cria um samba-torto-mais-bonito-que-não-existe sem a excentricidade de tantos outros autores da nova MPB que ficam numa incessante busca para resgatar o samba dos anos 60 e acabam presos num loop de pedantismo. Embora sem esse tipo de ambição, existem ali arranjos muitíssimo bem trabalhados que tornam evidente o enriquecimento criativo do carioca durante o intervalo de cinco anos que distancia o Casas de seu antecessor Pearl. Pontos bônus para o álbum porque tive a oportunidade de vê-lo ao vivo em Vitória, em pleno Teatro Glória, numa apresentação incrível.
Mark Knopfler – Down the Road Wherever
Confesso que o que eu espero de Knopfler a cada novo álbum lançado é justamente que ele não mude muita coisa e siga na mesma linha que vem seguido em seus lançamentos mais recentes. Provavelmente é por conta do cumprimento dessa premissa que eu tenha gostado tanto de Down the Road Wherever, lançado pouco mais de um mês atrás, em Novembro. A semelhança com Tracker, um dos meus álbuns favoritos de 2015, já começa na capa. Se em Tracker o outrora frontman do Dire Straits nos convida a uma viagem de carro em seu Volkswagen Gol Quadrado 1.8 com Motor AP subindo a serra de Marechal Floriano, Down the Road Wherever talvez seja a viagem de volta. Ouça enquanto estiver se locomovendo. Ouça no ônibus, no trem, no carro, na bicicleta, mas ouça fora de casa. É quando ele faz mais sentido.
Muse – Simulation Theory
Eu já defendi as criações do Muse mesmo quando quase ninguém gostou (Ei, 2nd Law, estou falando de você). Mesmo com tanto esforço, não tive como gostar do Drones. Talvez por conta das expectativas baixas eu tenha gostado tanto de Simulation Theory, último álbum de Matthew Bellamy & A Rapaziada. Seguindo na onda de teorias da conspiração, controle governamental e chapéus de alumínio que já é seguida pela banda desde Black Holes and Revelations. Com influências óbvias de retrowave/outrun — tanto na estética do álbum e dos clipes (sério, assista os clipes!) quanto no som em si, o resultado foi de certa forma um lugar comum em tempos de tantos novos artistas dessa pegada surgindo de porões úmidos com Macs rodando o Logic Pro, mas executado com maestria. Como eu falei sobre o álbum do Jake Bugg, há mérito em fazer bem-feito algo previsível. Simulation Theory não é o que o Muse fez de mais inovador, mas é muito bom — e há a clara assinatura do Muse em vários momentos. Está ali o sintetizador clássico de músicas do gênero, mas está também o piano pesado e preciso de Bellamy. E tem também o Terry Crews atuando no que eu gostaria que virasse um novo filme da fraquia Tron.
Mano Walter – Sem Rótulos
Depois de arrastar multidões com o EP Coisa de Louco e seus grandes sucessos como Não Deixo Não e Onde Sofre um Bebe Dois, o primeiro álbum completo de estúdio do fenômeno do forró Mano Walter não decepciona. Com canções icônicas como Juramento do Dedinho, o disco traz à música uma mistura particular de cerveja em litrão e desilusão amorosa nas proporções corretas. Ficam evidentes as influências do cantor: O sol, a espora e o cantar do galo. Recomendo não ouvir quando estiver sofrendo por amor.
Gorillaz – The Now Now
Talvez eu esteja me repetindo aqui, mas este é mais um álbum de uma banda cujo álbum imediatamente anterior não foi tão bom assim. Se eu fiquei ansioso para Humanz em 2017 e acabei me frustrando quando lançaram um álbum cheio de interlúdios e difícil de ouvir, isso não me impediu de novamente cair no conto do Gorillaz mais uma vez e ficar novamente louco aguardando pelo novo lançamento — mas pelo menos dessa vez eu não fui enganado. The Now Now é um álbum numa pegada totalmente diferente do anterior, com músicas animadas, participações acertadas e uma mistura cremosa de sintetizadores com linhas de baixo marcantes e o retorno da voz de Damon Albarn embalando todo o álbum, soando em dados momentos bastante melancólica na letra e na melodia em si, mas sempre acompanhada de um pop animado e impecável que acabou por criar um álbum dançante em que você pode se perder na noção de tempo e espaço.
Arctic Monkeys – Tranquility Base Hotel & Casino
O meu álbum favorito do ano foi lançado em Maio. Desde Maio existe um rascunho no painel deste sítio da rede mundial de computadores em que eu tento falar sobre este álbum que certamente entrou no meu Top 5 discos de todos os tempos. Tranquility Base Hotel & Casino é um álbum do Arctic Monkeys, mas talvez poderia ser uma obra solo de Alex Turner. Seja lá o que for, ele prossegue com a tendência apresentada pelos macacos desde sua origem de se reinventar a cada novo álbum. Talvez isso explique a enxurrada de fãs que chegaram pelo A.M. e já foram embora após o lançamento de TBHC se sentindo profundamente enganados. Talvez perdendo apenas pro Humbug em meu Ranking Pessoal, existe uma atmosfera marcante que permeia todo o disco que remete com exatidão o sentimento que a banda tenta passar: É impossível ao o ouvir do começo ao fim não remeter ao Glam Rock de David Bowie tocando no hall de um hotel que talvez esteja situado na lua.
Ficam de lado as guitarras, a distorção e a bateria elaborada de Matt Helders (e confesso que sinto falta do último) e entram em cena um piano constante e o pronunciado baixo de Nick dançando enquanto embalam praticamente todas as músicas. Fecham o pacote uma linha de bateria simples (mas adequada) e guitarras permeadas com reverbs e delays que firmam ainda mais o sentimento espacial e elegante do álbum.
Tranquility Base Hotel & Casino é um álbum para ser ouvido por inteiro. Todas as músicas são boas (tá, She Looks Like Fun é meio chata), mas nenhuma delas é tão boa quanto o disco inteiro, funcionando como uma obra única que se completa dentro de seu próprio contexto. Vista seu paletó branco, passe gel no cabelo e coloque pra tocar em seu gramofone. Você está ouvindo o melhor álbum de 2018.
Na minha visão, é claro, o que tira praticamente toda a credibilidade.
O que não foi tão bom assim
Como eu não sou de reclamar muito do que não gosto (NOTA AO EDITOR: inserir aqui áudio de risadas da plateia como em qualquer sitcom), uma rápida passagem por alguns discos que eu gostaria que tivessem sido melhor mas não foram e isso me deixou triste de montão:
Paul McCartney – Egypt Station
Depois de ouvir o incrível New (e ver ele sendo tocado ao vivo que foi uma experiência indescritível), eu esperava um álbum à altura de Sir Paul. Não veio. Egypt Station é muito bom, mas não se compara com os anteriores. O álbum inteiro soa meio cansado. Deve ser por isso que em I Don’t Know, Paul se pergunta tanto o que ele tem feito de errado — e ele mesmo não sabe. Talvez ele só não tenha me descido muito bem até agora — quem sabe em 2019 ele acabe entrando nos meus favoritos?
Silva – Brasileiro
Ainda que seja muito melhor comparado com o minimalismo que se tornou monotonia de Júpiter, Brasileiro ainda não é o retorno às raízes de Silva que eu esperava — e que provavelmente nunca virá. Brasileiro é um excelente álbum pop onde ficam muito claras as influências adquiridas depois de Silva toca Marisa, mas esse é justamente seu grande pecado: Temos bons artistas Pop e temos o Silva que, como já demonstrado em Claridão e Vista pro Mar, é capaz de misturar música orgânica com recortes eletrônicos como poucos conseguem. Infelizmente, fica o sentimento de que é mais interessante vender discos e lotar shows do que a experimentação. A participação de Anitta é a cereja no bolo. Certamente deu muito certo pro Silva, mas não deu certo pra mim.
Justin Timberlake – Man of the Woods
Mais uma inevitável comparação com o álbum anterior: The 20/20 Experience é Justin Timberlake fazendo o que faz de melhor — e se você viveu nesse mundo nos últimos vinte anos, você sabe o que eu quero dizer com isso. Uma expectativa que é ligeiramente frustrada na viagem experimental que é Man of The Woods. Os grandes momentos ficam por conta de Midnight Summer Jam e da faixa que dá título ao álbum. Um álbum que traz uma incrível influência do R&B, mas desperdiçando a irresistível mágica pop de Justin Timberlake. Pena.
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Uma breve recomendação para o próximo ano: Ouça mais álbuns e menos playlists. (Bons) Discos são obras inteiras que criam um sentido diferente dentro de seu próprio contexto, com as faixas conversando entre si. Ouvir uma faixa dentro de uma playlist é como ver um fragmento bonito de um quadro muito maior. O Spotify que me perdoe.