som em primeiro plano

14 de setembro de 2022 em Música

uma das coisas de que nos fora tirada pela obsessão por produtividade foi a experiência de ouvir música como uma atividade por si só.

muito antes de ouvirmos em 2x as mensagens de áudio da própria mãe no whatsapp ou consumirmos podcasts questionáveis em 1,5x para tornarmos construtivo o tempo parado no trânsito outrora perdido, a música deixou de ser o foco de nossa atenção cotidiana para ser a trilha sonora de qualquer outra atividade que tenha o privilégio da suposta atenção completa (sequer existe atenção completa enquanto se faz oito coisas simultaneamente?). não é de se espantar que tantos artistas — parte do jogo, e não quem dita as regras dele, diga-se — deixem de lançar álbuns para liberar à conta-gotas singles contando com a sorte de figurarem em alguma playlist chamada beats to study to ou algo do gênero.

comecei a comprar alguns discos em vinil uns anos atrás. nunca tive a ambição preciosista de qualidade definitiva de áudio que alguns têm, mas senti múltiplas vezes a vontade de que eu pudesse ter na minha mão ou na minha casa, de alguma forma, a manifestação física de algo de que eu goste muito. poder ouvir a música através dessa manifestação é um bônus, estou mais interessado em segurar, admirar a capa, ler as letras, checar as fotos. sinestesia, diriam.

depois de trabalhar e terminar o que precisava fazer pelo longo dia de hoje, esta inquestionável terça-feira, tentei decidir o que fazer pelo resto da noite. algumas opções de entretenimento são sempre mais óbvias: o audiovisual nos estimula mais sentidos, então é natural que as primeiras alternativas sejam coisas como séries ou videogames. hoje não: pensei ‘vou sentar no sofá e ouvir música’ — e assim o fiz.

ter usado o vinil do illinoise para este fim foi só uma característica, não uma definição; podia ser qualquer coisa tocando em qualquer serviço de streaming, mas penso que tenha sido uma boa decisão. não foi a primeira ou a segunda vez que visitei este álbum com o esforço de não dispersar demais minha atenção — e só quem já tentou sentar e ouvir música sem fazer outra coisa sabe o quão dispersável você se torna — mas a experiência foi, ainda assim, incrível. é por saber que a próxima também será que tento tornar disso um hábito. saudável, eu diria, mas nisso pode haver um certo viés de minha parte.

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