jogando: death stranding (2019)

29 de julho de 2025 em Joguinhos

tentei jogar death stranding pelo menos duas vezes há alguns anos. como o entusiasta de hideo kojima que sou desde meu primeiro contato com a versão demo de metal gear solid, não tinha como deixar um lançamento desse passar batido, e por isso tentei jogar no playstation 4 e depois no playstation 5. o fato de eu ter desistido sempre em algum ponto do segundo capítulo fala um pouco sobre minha atual relação com jogos: às vezes sinto parecer gostar mais do conceito de videogame do que de sentar no sofá e jogar. nas primeiras vezes achei death stranding complicado, com muitos botões, muitas combinações, muitas variáveis, muitos itens pra entender o funcionamento. passei raiva morrendo pra inimigos invisíveis e larguei o jogo pra lá.

em 2025 a história se repetiu, agora com death stranding 2, lançado há algumas semanas: como eu, que admiro tanto as criações do kojima, que gosto demais dos atores, que me apaixonei pela trilha sonora do primeiro (que ouvi demais mesmo sem ter jogado o jogo — mais à frente vou falar disso) e que tenho amigos próximos comprando na pré-venda ficaria de fora? de tal modo, por livre e espontâneo fear of missing out, para que eu possa partir para o novo, resolvi tentar mais uma vez jogar o primeiro jogo , dessa vez com um pouco mais de insistência. finalmente cheguei ao final de um de meus jogos favoritos de todos os tempos.

(Captura de tela que fiz em algum momento aleatório jogando)

não me proponho a fazer aqui um review — até porque eu já estaria pelo menos uns cinco anos atrasado — mas seria um desperdício não falar sobre uma experiência tão absurda. me junto ao coro e repito o óbvio: death stranding é um projeto ambicioso e megalomaníaco do tipo que é raro que não desande e se perca pelo caminho. felizmente, não é o caso aqui. é uma colocação relativamente comum — ainda que às vezes em tom de reclamação — de que o jogo na verdade esteja mais perto de ser um filme. mesmo não concordando totalmente, não tenho como negar o papel que o kojima teve aqui foi não só de um designer de jogos, mas de um diretor, que leva para sua criação todas as suas referências audiovisuais pra criar algo que não é um filme, mas talvez não seja também o que se espera normalmente de um videogame.

[ daqui pra frente pode ter um ou outro spoiler, caso você seja maluco como eu e ligue pra spoilers de algo lançado na década passada ]

de certa forma, falar sobre a experiência do jogo é necessariamente falar sobre ambientação. o sentimento ao andar pelo mapa é de se sentir pequeno e meio impotente, ainda que você seja o único homem capaz de unir o continente ou evitar um cataclisma de proporções universais. sam bridges (ou “samuel pontes” na versão em português do título) pode até voltar à vida a cada vez que morre, mas enquanto está vivo, ele ainda é só um homem. seus inimigos não são só criaturas invisíveis ligadas ao mundo dos mortos: são também pedras, avalanches, penhascos, montanhas de neve colossais e rios profundos. na maior parte do jogo, você é constantemente lembrado de que você é pequeno e o mundo é grande. talvez sua maior dificuldade durante a maior parte do tempo seja andar equilibrando nas costas os quinze containers de remédio que você precisa levar pra alguém que já está no bico do corvo.

este trabalho primososo na ambientação do jogo está por toda parte. está nas nevascas que te cegam e te atrasam em mountain knot city, está nos escombros de middle knot city, está no inesperado aconchego do laboratório de heartman às margens de um lago em formato de coração, está na solidão da longa jornada de retorno de sam para o local de onde saiu. não bastassem os visuais contemplativos que te fazem parar o jogo pra admirar a paisagem, a música também é escolhida a dedo para cada situação.

 

se nas primeiras tentativas o jogo não me fisgou, a música me conquistou logo de cara. um amigo me mostrou há quase 10 anos atrás o primeiro álbum do low roar, que ouvi à época e acabei deixando no esquecimento. voltei a ouvir quando dei atenção à trilha sonora do jogo, que me acompanha há anos mesmo que eu não tenha seguido jogando. as contribuições de outros artistas é excepcional (exceto aquela do apocalyptica que eu prefiro pular), mas não dá pra falar de death stranding sem falar em low roar. a sensibilidade e melancolia da música de ryan karazija — mente criativa por trás do low roar, que infelizmente nos deixou em 2022 por complicações de uma pneumonia — não só casa perfeitamente com a jornada e ambientação do jogo; é um elemento vital dela. minha reclamação aqui é que eu queria ter ouvido mais música durante minhas entregas. bem que podiam colocar uma função de mp3 player no odradek.

pra além de todo artifício tecnológico ou sobrenatural que o jogo traga como recurso e possibilidade de sobrevivência, a prevalecência da humanidade e a formação de uma sociedade organizada nesse cenário pós-apocalíptico dependem necessariamente de dois fatores principais: cooperação e trabalho. a cooperação enquanto um desdobramento natural do afeto que temos por nossos semelhantes (rousseau concordaria comigo); o trabalho enquanto emprego de seu próprio tempo e esforço para algo que vai tornar a vida das outras pessoas melhor. na maior parte do tempo de jogo, você está transportando coisas de um lado para o outro e expandindo a infraestrutura física e de comunicação, efetivamente deixando as pessoas felizes e gratas por onde você passa. é essencialmente um jogo em que você trabalha a troco de nada além de um “muito obrigado”.

o prisma da cooperação é explorado de forma ainda mais interessante: sam está constantemente colaborando com seus pares na história do jogo, ainda que a contragosto do propósito de resgatar a organização de uma sociedade que, segundo ele mesmo, já não existe, mas esta não é a única cooperação que está ocorrendo. a funcionalidade online do jogo brilha ao permitir que outros jogadores — com os quais você nunca se encontra ou se comunica diretamente — façam construções e forneçam recursos para colaborar com o seu jogo e vice-versa. se você perder sua carga, outros jogadores podem a recolher pra você. pessoas que puderam jogar o jogo por mais horas do que eu construíram estradas que tornaram o meu jogo mais fácil. durante confrontos maiores, outros jogadores “aparecem” e te entregam itens para te ajudar no meio da luta. eles não estão só colaborando com sam porter bridges, eles estão colaborando com você, que está segurando o controle. colaborar é uma palavra que, etimologicamente falando, significa “trabalhar junto”.

(Outra captura de tela que fiz em algum momento aleatório jogando)

sempre achei interessante perceber como death stranding divide opiniões por aí. a recepção do jogo trouxe cerca aclamação da crítica, mas não uma unanimidade entre quem consome videogames. há quem tenha se apaixonado pelas mecânicas e tenha tratado a história como coisa de maluco e a ignorado. há quem nem goste de jogos e tenha se interessado em assistir o jogo completo em qualquer vídeo de gameplays por aí. há quem fale que é um jogo tedioso em que você só precisa andar pra frente — ignorando que, de certa forma, a fórmula de todo jogo contemporâneo é andar de um lugar até o outro sobrevivendo ao que houver no caminho. ignorando também que se fosse só andar eu não teria largado o jogo das primeiras vezes. os inimigos são desafiadores e te forçam a pensar em soluções criativas — na maior parte das vezes, o confronto direto não é uma boa ideia.

a experiência que tive ao longo das cinquenta e poucas horas em que estive jogando death stranding foi uma das mais memoráveis em toda a minha vida jogando videogames. tenho tido dificuldades para me manter focado e atraído por muito tempo a algum jogo, mas a obra-prima de hideo kojima me trouxe de volta àquele estado adolescente de ficar ansioso pela próxima sessão do jogo. agora, vou começar o segundo da série, na certeza de que o que vou encontrar é muito mais do que um simulador de correios como brincam por aí. se bem que eu fiquei, sim, um pouco revoltado na missão em que precisei fazer entrega de pizza em pleno pós-apocalipse. já a entrega de cerveja me deixou um pouco menos revoltado. deu pra entender a necessidade.

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