ouvindo: magdalena bay – imaginal disk

12 de março de 2025 em Música

é muito fácil entender como chegam a mim os álbuns novos das bandas que já conheço. por outro lado, enquanto alguém com certa resistência a ser alimentado pelo que os serviços de streaming dizem que eu deveria ouvir em playlists de curadoria duvidosa e rádios cujo algoritmo favorece quem paga mais, é um pouco difícil conhecer álbum novos de artistas desconhecidos.

não confundir com o “artista desconhecido” do windows media player, autor de canções mundialmente aclamadas como “faixa 1” e “faixa 4”.

Windows Media Player mostrando um álbum desconhecido, com músicas chamadas "faixa desconhecida".

todo mundo sabe que a Faixa 5 é um banger absoluto.

toda essa introdução desnecessária só existiu pra dizer que não sei bem de onde ouvi falar do duo norte-americano magdalena bay e de seu álbum imaginal disk, lançado em junho de 2024. mas ele fez sucesso o suficiente pra chegar a mim mesmo sem procurar muito. sorte a minha. imaginal disk é um dos meus álbuns favoritos de 2024 e eu não consigo parar de ouvir.

 

[nota do editor: comecei a escrever esse texto em novembro de 2024 e larguei numa aba do meu navegador por quatro meses. sinto que preciso voltar a movimentar isso aqui então resolvi retomar esse textinho em março de 2025 porque prefiro escrever qualquer coisa a não escrever nada. recentemente aprendi que não existem duplas negativas em português. em novembro eu ainda não sabia disso. deste ponto do texto pra frente estou me permitindo a dupla negativa — muito orgulhoso de mais um anglicismo que ficou pelo caminho]

não me canso de reforçar o quanto a melhor forma de consumir música é ouvindo um álbum. sei que não sou completamente inflexível neste critério: tenho várias playlists, ouço algumas rádios ou mixes no streaming e faço filas de reprodução com músicas aleatórias, mas a minha forma favorita de escutar música é colocando um álbum pra tocar do começo ao final. mesmo com essa ideia, nos últimos anos acabei me deparando por alguns álbuns que mais parecem compilações de singles, sem muita coesão entre as faixas ou um motivo que dê liga à obra. não é o caso de imaginal disk: temos um Álbum aqui, com “A” maiúsculo, que tem um começo e fim, um conceito bem definido e até vinhetas entre algumas das faixas.

entendi a ideia central do álbum como um cenário meio distópico (não muito) em que o sujeito do disco, tratado como uma espécie de ser sintético, está passando por um tipo de atualização — daí a capa e a contracapa, que mostram mica tenenbaum e matthew lewin tendo um CD inserido na própria cabeça.

Capa do álbum Imaginal Disk

madalena, madalena, você é meu bem querer

(na verdade, o formato da mãozinha alienígena me parece mais estar tirando um disco da cabeça que empurrando-o para o interior dela, mas vou admitir que a ideia seja o disco sendo inserido visto que o álbum tem uma música que se chama feeling diskinserted? e outra que fala sobre essa “nova versão” do ser em true blue interlude, um tipo de interlúdio que parece um anúncio pra uma atualização de sistema só que para seres vivos. uma das minhas favoritas do álbum, aliás. mas me distraí falando sobre a capa.)

na verdade essa atualização se mostra sendo uma grande viagem sobre o que nos torna humano. o ponto alto do álbum, a sequência death & romance e fear, sex (são duas músicas, e não quatro) traz uma certa ambiguidade entre o que nos faz viver e sofrer (it goes forever / romance and death keep us together) na primeira delas e, na segunda, uma certa rejeição a esses sentimentos depois da frustração como que se num ímpeto de se blindar de toda essa vulnerabilidade. o que certamente é algo completamente fictício e que só faz sentido num contexto de ficção científica. essa gente inventa cada coisa.

ao longo do disco, enquanto toda a temática de como dá trabalho sentir coisas é explorada, o que ouvimos é uma espécie de synthpop com um uso exacerbado de sintetizadores que funciona muito bem. alguns elementos mais orgânicos estão constantemente ali, a maior parte das faixas usa uma bateria de verdade em vez de uma drum machine (pelo menos em alguma parte), mas o foco está nos elementos mais sintéticos que conseguem dar ao álbum esse ar mais espacial que se aproxima do dreampop, que é um desses gêneros que tenho certeza que só existem no last.fm.

aproveitando essa atmosfera criada pelos sintetizadores, matt e mica — que por conta própria escreveram E produziram o álbum por inteiro — se sentem na liberdade de brincar com a estrutura convencional das músicas. pra além de faixas mais convencionais como a (ótima) image, temos faixas sem refrão como fear, sex, interlúdios falados, músicas com solos enormes e várias outras em que camadas e camadas de instrumentos vão se acumulando a ponto de quase te deixar sem ar quando a música se esvazia repentinamente ou simplesmente emenda na próxima.

não é pra qualquer artista lançar um álbum com mais de 50 minutos de duração e menos ainda deles conseguem fazer isso sem tornar a obra um pouco maçante. imaginal disk consegue manter seu nível com maestria sem precisar colocar no meio umas músicas que talvez teriam virado descarte. nada me parece descartável no álbum — todo o trabalho é feito com muito cuidado e faz sentido dentro de seu contexto. ajuda a não tornar o álbum cansativo toda a variação contida em suas 15 faixas, que têm momentos de euforia e momentos de vazio; segmentos dançantes e segmentos introspectivos. faz bastante sentido em uma obra que aborda as mudanças a que enquanto seres humanos estamos sujeitos, gostando ou não. a não ser que você queira virar um ser sintético e instalar o windows xp service pack 2 na sua cabeça.

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